A cada sopro do vento
muda de folha
a borboleta no salgueiro
A uma papoila
deixa as asas a borboleta
como recordação
Matsuo Bashô - O gosto solitário do orvalho
sexta-feira
sábado
A tristeza é, tal como a ferrugem que se esboroa em nosso redor, péssima companhia, sabêmo-lo todos mas, às vezes, é o preço pelo desafio de querer ter o ar por companhia, o preço da irreverência, um preço com o valor da responsabilidade. Sempre disse que não reconheço o conceito de culpa mas conheço o de responsabilidade, o único que me diz alguma coisa. Ontem ouvia a Helena Roseta dizer sobre Sá Carneiro que era capaz de duas coisas de valor inestimável: a trangressão e a ternura. Ainda na noite de ontem, e ainda mais na manhã de hoje, ao ouvir os românticos no CCB pensava na forma como há quem nos saiba devolver a fé na trangressão e na ternura com a irreverência de um sorriso em cada dia. É desse sorriso que continuo a precisar, da certeza de que ele existe e vai continuar a existir. 
(O resto? Bem, vou asneirar porque me apetece muito: "Que se lixe!" E lá dizia a Scarlett crescidinha: "Amanhã é outro dia!" E, seja pior ou melhor, será diferente.)
*
"Leitor indulgente, sincero, vulgar
- alguns tenho: uma esposa, uma freira, um fantasma ou dois -
Se escrevo para alguém, foi para ti que escrevi;
Por isso, quando eu morrer, murmura: 'Éramos tão poucos';
Escreve na pedra (se sabes escrever, eu mal sabia)
Que eu - que eu - mas qualquer coisa serve,
estou satisfeito... Porém -porém éramos muito poucos:
Devia talvez ter escrito para os teus irmãos,
Para os outros, os hipócritas, vulgares, impiedosos?"
Randall Jarrell (1914-1965). In Hannah Arendt, Homens em tempos sombrios
segunda-feira
Óilhe, o q'rido desculpe, não sei se tá a vêre mas aqui não é o Iraque, p'cébe? (que p'ssidonice, só me faltava agora um "olheiro" da 'nata' a enfiar botifarras sem griffe no "on the rock's")
Vá p'ra Falu... pére, vou ter de esperar pelas notícias da prima Manela e depois acabo de esc'vêre o nome certo. Mas pode ir andando já! (passa-me cada palhaço aqui p'lo balcão...)
Vá p'ra Falu... pére, vou ter de esperar pelas notícias da prima Manela e depois acabo de esc'vêre o nome certo. Mas pode ir andando já! (passa-me cada palhaço aqui p'lo balcão...)
*
E porque dias não são noites e nada disto estava previsto, não resisto a deixar aqui um poema de que apenas me recordava muito vagamente mas que uma generosa dose de gargalhadas proporcionada por um post-scriptum do meu bloguer masculino preferido rapidamente ajudou a descobrir. Em italiano e com os cumprimentos da casa na esperança de uma posologia eficaz.
Portami il girasole ch'io lo trapianti
nel mio terreno bruciato dal salino,
e mostri tutto il giorno agli azzurri specchianti
del cielo l'ansietá del suo volto giallino. 
Tendono alla chiarità le cose oscure,
si esauriscono i corpi in un fluire
di tinte: queste in musiche. Svanire
é dunque la ventura delle venture.
Portami tu la pianta che conduce
dove sorgono bionde trasparenze
e vapora la vita quale essenza;
portami il girasole impazzito di luce.
Eugenio Montale, Portami il girasole ch'io lo trapianti. In Ossi di Seppia (Mondadori, 1991)
*
Das passagens de ontem por alguns blogs da linha "suplemento feminino" retive ensinamentos vitais. Um deles foi sobre a Yourcenar e o outro sobre a auto-promoção e as estratégias de marketing pessoal. Estava ainda muito contente e bastante inspirada por tal leitura quando voltei a A Rosa de Robert Walser (estava a lê-lo enquanto adiava a preparação da sessão de seminário sobre o positivismo lógico e o relativismo para hoje) e percebi por que razão nem no meio de todo o contentamento conseguira parar de pensar que a humildade é um luxo a que alguns já nem aspiram. Ora, papaias! Se ainda fosse uma pochettezinha Chanel ou uma idazita ao Lux...
sexta-feira
E de volta à minha língua materna, o que gostava mesmo de ter sido capaz de dizer e/ou escrever neste fim de tarde ventoso de um dia em grande parte passado junto a alguém a quem a asa da morte começa a tapar irremediavelmente é:
"Podemo-nos dar aos outros sem ser numa bandeja de croquetes."
(Resta-me esperar que o autor desta 'pérola' me perdoe o roubo sem pré-aviso.)
*
Ancora? Sbaglio, per sicuro. O pure errore dell'indirizzo? Poveretto. Mi dispiace solo vedere che ancora una volta sprechi energie...
A costo di sembrare presuntuosa e antipatica, rivendico la libertà di scrivere da sola presupponendo, di fronte a me, un lettore in grado di capire. Uno che possieda gli strumenti per interpretare. Soltanto questo.
Ah, e buon anno. Mi pare che ce ne sia bisogno.
*
O fim da tarde de ontem, de sol rente ao rio na esplanada junto às Cicadáceas em toda a exuberância da sua intensa e sofisticada sexualidade, trouxe-me uma leitura inesperada: "Assim como assim, o senhor Danon vai levantar-se agora e desligar o computador. Vai pôr-se à janela. Lá fora no quintal está um gato em cima do muro. Viu um lagarto. Não o vai largar."
Trocar "O atiçador de Wittgenstein" por "O mesmo mar" soube-me a irreverência. E a canto-de-cisne de fim de férias.
domingo
As though the mercury's under its tongue, it won't
talk. As though with the mercury in its sphincter,
immobile, by a leaf-coated pond
a statue stands white like a blight of winter.
After such snow, there is nothing indeed: the ins
and outs of centuries, pestered heather.
That's what coming full circle means - when your countenance starts to resemble weather,
when Pygmalion's vanished. And you are free
to cloud your folds, to bare the navel.
Future at last! That is, bleached debris
of a glacier amid the five-lettered "never."
Hence the routine of a goddess, nee
alabaster, that lets roving pupils gorge on
the heart of color and the temperature of the knee.
That's what it looks like inside a virgin.
Joseph Brodsky - Galatea encore (1983)
talk. As though with the mercury in its sphincter,
immobile, by a leaf-coated pond
a statue stands white like a blight of winter.
After such snow, there is nothing indeed: the ins
and outs of centuries, pestered heather.
That's what coming full circle means - when your countenance starts to resemble weather,
when Pygmalion's vanished. And you are free
to cloud your folds, to bare the navel.
Future at last! That is, bleached debris
of a glacier amid the five-lettered "never."
Hence the routine of a goddess, nee
alabaster, that lets roving pupils gorge on
the heart of color and the temperature of the knee.
That's what it looks like inside a virgin.
Joseph Brodsky - Galatea encore (1983)
domingo
Hoje, numa sinagoga. Uma mulher cuja mistura de inteligência, de cultura e de emotividade há vinte anos me deslumbra, e que tenho como uma das referências de amizade da minha vida, disse-me:
"Cada vez menos me apetece ler coisas novas - tudo o que é verdadeiramente importante encontro-o nos Maias e no Leopardo. Sabes? O resto são palhaçadas e os teus tão queridos pensadores como o Musil, o Proust ou o Pavese, então, aborrecem-me de morte...".
De repente senti uma vontade absurda de fotografar peónias.
quinta-feira
A actriz de-quem-se-fala nasceu em finais de 1984, mais de um ano depois de um dos meus filhos. Nos EUA já pode conduzir mas não está ainda autorizada a comprar bebidas alcoólicas (não sei se já pode comprar uma arma mas esse é outro assunto) e, em tempo não muito distante, seria considerada de menor idade em Portugal. Ao ler os mais recentes e babados delírios blogosféricos portugueses sobre S. J. (deslocados ou desfocados, nem sei bem, porque do que fez até agora parece-me que o essencial seria realçar o potencial para se tornar uma excelente actriz) fico com a sensação esquisita de que os portugueses devem ter nas suas marcas genéticas qualquer indicação que os torna especialmente vocacionados para educadores de infância. Ou outra coisa qualquer.
*
Os dias estão mais longos e o crepúsculo é um deslizar de sombras até à noite amnésica, simétrico do da alvorada de que tanto gosto. Agora que a Lua se deitou sob um dossel ondulante e quase musical de chuva forte, apeteceu-me reler um poema da Sapho chamado, tanto quanto me recordo, Nocturno que termina com a referência ao encanto dos rouxinóis que anunciam a Primavera porque não tenho memória de alguma vez ter escutado o cantar de um rouxinol.